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500 mil mortos! Lunga tinha razão! – por Leonardo da Rocha Botega

O articulista, o (profético?) filme Bacurau e o que o Brasil de hoje assiste

Em 2019, o cinema nacional foi sacudido pelo lançamento de Bacurau, dirigido por Kleber Mendonça Filho, que (entre outras premiações) venceu o Prêmio do Júri do disputadíssimo Festival de Cannes. Contando a estória de um vilarejo isolado no Oeste Pernambucano que se torna um local para que psicopatas estadunidenses exercitem sua principal diversão, um jogo onde quem matar o maior número de pessoas tem mais ponto, o filme é a grande metáfora de um povo largado a própria sorte por um líder político que tem como único objetivo a reeleição.  

Naquele momento, muitos já previam a tragédia em que o Brasil estava mergulhando. Mesmo ainda não vivenciando a tragédia dentro da tragédia que se apresentou no ano seguinte, alguns passos eram visíveis.  Em poucos meses de governo, o homem que desfilava para lá e para cá com a faixa presidencial, tal qual um personagem de programa humorístico, já havia pronunciado que passar fome no Brasil “era uma grande mentira”; que se o presidente da OAB quisesse saber como o seu pai havia desaparecido na ditadura militar ele contava; que se não pudesse censurar o cinema brasileiro iria extinguir a Ancine; que pretenderia beneficiar o seu filho “sim”, com a indicação para a embaixada dos Estados Unidos; que a questão ambiental só importava “aos veganos, que comem vegetais”.

Um festival de declarações e atitudes destratando governadores, jornalistas, chefes de outros Estados, indígenas, homossexuais, mulheres e tantas outras pessoas nominadas como “suas inimigas”. Enquanto isso, 12,5 milhões de brasileiros e brasileiras estavam sem emprego e o trabalho precário atingia a marca recorde de 93,8 milhões de pessoa; o dólar, que em janeiro era cotado em R$ 3,735, chegava em dezembro à R$ 4,109; e a educação, a pesquisa, a saúde e tantos outros serviços públicos essenciais sofriam cortes pesados em seus orçamentos. O cenário se apontava tão ruim que o escritor Luís Fernando Veríssimo chegou a escrever em uma de suas colunas publicada em setembro daquele ano: “Nós estamos sendo atacados”.

A célebre frase do personagem Lunga, o herói-vilão protetor de Bacurau, pronunciada após um menino ter sido assassinado por um dos turistas-psicopatas, ganhou as faixas, os cartazes e as bocas de todos que naquele momento já viam a feição desumana do governo brasileiro.

O que ninguém imaginava é que o ditado “nada é tão pior, que não possa ser piorado” iria se concretizar tão rapidamente, impulsionado pela pior Pandemia Mundial desde 1918. Cada índice alarmante gerava uma nova declaração repulsiva: “e daí?”, “eu não sou coveiro”, “chega de mimimi”. Um exercício de zero empatia e uma estratégia não-cientifica: “imunizar o rebanho” com a infecção em massa, morra quem tiver que morrer!

Um ano e três meses depois da primeira morte pela Covid-19 no Brasil eis o resultado: chegamos aos 500 mil óbitos. Meio milhão de brasileiros e brasileiras, mortos! Meio milhão de cidadãos desse país, mortos! Meio milhão de amores de alguém, mortos! A maioria absoluta morta após a existência de uma vacina. Uma vacina negada em centenas de e-mails sem respostas por um governo que adora fazer galhordices em Redes Sociais. Uma vacina negada por quem deixou evidente querer aproveitar a pandemia para “passar a boiada” nos direitos sociais.

Está soma de negacionismo com negociatas obscuras que não deixa dúvidas: Lunga tinha razão! “Estamos sendo atacados”! E o que é pior, estamos sendo atacados por quem tem a obrigação de nos proteger! Mas seguiremos! Resistiremos! Sobreviveremos!      

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do Editor: A imagem que ilustra este artigo, a foto de Lunga, personagem do filme Bacurau, e interpretado pelo ator Silvero Pereira, é uma reprodução obtida na internet.

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