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Imprensa precisa explicar melhor a morte sofrida do cachorro Joca num avião da Gol – por Carlos Wagner

É urgente a revisão e atualização do sistema de transporte aéreo de cargas vivos do Brasil (Foto Reprodução)

Não foi um caso isolado a morte em agonia de Joca, um cão golden retriever de cinco anos, em um avião da Gollog, uma empresa da Gol. A história acendeu uma luz de alerta, exigindo a atenção da imprensa e das autoridades para o transporte aéreo de “cargas vivas” no Brasil. Na segunda-feira (22), Joca foi embarcado um voo de duas horas da Gollog, que partiu do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, com destino à cidade de Sinop, no Nortão do Mato Grosso (MT). Onde era aguardado pelo seu tutor, o engenheiro João Fantazzini Júnior.

Houve um erro e o cachorro foi enviado para Fortaleza (CE). O tutor retornou a Guarulhos para esperá-lo. Joca foi embarcado de volta para o aeroporto paulista, mas acabou morrendo no trajeto, após permanecer por oito horas sem água e comida dentro da caixa de transporte. Logo que a notícia começou a circular, lembrei-me de um fato ocorrido em fevereiro de 2011.

Na ocasião, estava de plantão na redação do jornal, em Porto Alegre (RS), quando a aposentada Nair Flores, 64 anos (na época), embarcou no Aeroporto Internacional Salgado Filho com destino a Vitória (ES). O seu cachorro, o Pinpoo, um filhote de 11 meses, uma mistura das raças pinscher e poodle, deveria acompanhá-la num avião da Gollog, mas não chegou a embarcar.

Durante a operação de embarque, ele fugiu da gaiola e desapareceu. Durante quase duas semanas, os funcionários do Salgado Filho e da Gol se envolveram em uma verdadeira caçada sem sucesso ao cachorro desaparecido.

Nair retornou de Vitória e também se envolveu na busca, chegando a quebrar um dos pés. O caso ganhou manchete dos jornais brasileiros e repercutiu até fora do Brasil. No meio da confusão alguém encontrou um cão parecido e tentou convencer a aposentada que era Pinpoo. Não conseguiu. Ao final de duas semanas de buscas, Pinpoo foi finalmente encontrado e retornou para a sua dona.

Todos os detalhes atualizados sobre essas duas histórias estão disponíveis na internet. Vou falar sobre o que une os dois casos. Alerto que no caso do Joca a investigação policial e dos órgãos de controle do transporte aéreo tentarão esclarecer o que aconteceu. Mas o que une os dois episódios? O fato de que o transporte de animais de estimação, que é chamado de carga viva, é organizado e regulamentado pelas próprias empresas, que fazem as suas próprias regras.

Aqui é o seguinte. Comecei na profissão trabalhando em circulação de jornal. Portanto, conheço profundamente como funcionam os departamentos de carga das empresas de transporte terrestre, aéreo e marítimo. Depois que a carga é entregue, pesada e o frete pago, ela começa a percorrer um circuito.

No caso das cargas vivas nos voos domésticos não existe um sistema de vigilância exclusivo. Um funcionário é designado para cuidar do assunto, entre outras tarefas. Isso significa que o potencial para dar problemas é enorme. Quando trabalhei no desaparecimento do Pinpoo fiquei surpreso com o amadorismo do sistema de transporte de animais.

Desde então, defendo a ideia de que é necessário a imprensa começar a esmiuçar como funciona o transporte aéreo de cargas vivas no Brasil. Nos dias atuais, sempre que acontece um problema, ficamos a reboque das informações fornecidas pelas empresas. Uma leitura do que publicamos mostra que pouco ou nada avançamos na cobertura desse tipo de situação.

Como disse anteriormente, cada empresa monta o seu próprio sistema de transporte. A bem da verdade, é um fato que o transporte aéreo de cargas no Brasil vem apresentando muitos problemas. A história do Joca não pode ser analisada fora desse contexto. E o contexto é complicado. No início da semana, agentes da Polícia Federal (PF) descobriram e desmancharam um esquema envolvendo quatro pessoas que operavam em Guarulhos trocando as etiquetas nas malas dos passageiros para enviar drogas para a Europa – matérias disponíveis na internet.

No ano passado, as turistas brasileiras Jeanne Paollini e Kátyna Baía foram detidas ao chegar à Alemanha. As etiquetas das suas malas foram colocadas em malas contendo cocaína. Elas ficaram presas durante 38 dias, até o caso ser esclarecido. Na ocasião, a PF prendeu 16 pessoas.

O fato é o seguinte. Os aeroportos brasileiros, em especial o de Guarulhos, estão sendo usados pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, como corredor para abastecer os mercados internacionais com cocaína. Isso significa que os passageiros brasileiros convivem com o perigo real de serem involuntariamente envolvidos com o tráfico de drogas devido a mudança da etiqueta da sua bagagem. É uma situação incômoda, para dizer o mínimo.

Lembro o seguinte. As grandes organizações criminosas, como o PCC e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, associadas com quadrilhas locais, vêm consolidando um projeto para tornar o território brasileiro passagem para o transporte de drogas para os grandes mercados consumidores europeus e americanos. O PCC e o CV montaram um estrutura criminosa que se consolidou na última década na fronteira do Brasil com o Paraguai. É lá que estocam a cocaína procedente dos centros produtores da Colômbia, Bolívia e Peru, e depois a exportam usando os aeroportos e portos do Brasil.

A Gol suspendeu o transporte de cargas vivas até esclarecer a história do Joca. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cobrou da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Gol esclarecimentos sobre a morte do cão. Defendo que cada vez que acontece uma tragédia como a do Joca surge uma oportunidade para a imprensa ir fundo na história e entender como e por que ela aconteceu. E, com isso, evitar que fatos como esse não se repitam.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 73 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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3 Comentários

  1. Na aldeia os problemas não se resolvem. Cidade do interior tem ‘habitos’. Calourada vai ser assunto pelo menos duas vezes ao ano. Desenvolvimento da cidade uma meia duzia de vezes. Violencia contra mulher e condição feminina outro tanto. Buracos nas ruas. Preço da passagem, licitação. Aplicativos vs taxis. Sem falar num certo ‘programa de debate’. As mesmas pessoas falando os mesmos chavões sobre os mesmos assuntos anos a fio. Ou bobagens sobre assuntos sobre os quais não tem o menor conhecimento .Quando não aparece alguem do juridico e resolve fazer autopropaganda: vamos falar de direito de familia (vira palestra). Depois quebram e a culpa é dos outros, da conjuntura, dos avanços tecnologicos.

  2. Alas, ‘jornalistas’ perderam contato com a realidade. Ainda acham que pautam a sociedade. Temas que escolhem para abordar interessam nichos.

  3. Cortina de fumaça. Há pessoas com problemas cognitivos que acompanham o assunto. Maioria está c@g@ndo para a coisa. Mais uma prova de que o pais não é sério. Aposto que tem gente na fila dos exames do SUS esperando para fazer um exame cujo resultado vai dar ruim. E a espera tera contribuido.

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