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No fim das contas – por Orlando Fonseca

Passei a minha vida toda pensando ter algum defeito genético que me impede de entender matemática e suas linguagens – esta última parte, inclusive, é uma concepção moderna, com a qual não travei nenhum um tipo de embate. Em mim acontece de os neurônios se retiraram para um recôndito ermo do meu cérebro cada vez que nos deparamos com uma planilha, com uma fórmula, com a necessidade de alguma conta complexa. E acabo ficando na mão, com os parcos recursos que gravei das antigas aulas de aritmética, provido de coisas tão simples como a tabuada e uma regra de três simples. Não me falem de juros compostos, arranjos e derivadas, ou termos maravilhosamente fantásticos como mantissa, função quadrática, fórmula de Bhaskara, binômio de Newton e logaritmo. Achei um jeito de usar o quadrado da hipotenusa de forma literária. Voltado ao estudo e à prática cotidiana das Letras, os números sempre carregaram uma aura de mistério pra mim. Claro, desde criança, elaborar algo com um conteúdo que pode ser infinito se transformou em mistério tão grande quanto a abrangência intangível do universo. Tendo alcançado algum sucesso no campo das palavras – e seus truques -, consegui amenizar os estragos desta minha deficiência. Agora, vem um cientista inglês afirmar com todas as letras – e números – que “80% do que se aprende nas aulas de matemática não serve para nada”.

Conrad Wolfram, nascido em Oxford, é um físico e matemático formado pela Universidade de Cambridge. Para ele, vivemos “em um mundo cada vez mais matemático, mas o seu ensino está estancado”. Por que então os estudantes perderam o interesse por uma disciplina que está por trás de grandes criações da humanidade, dos “foguetes até as bolsas de valores”? Ele não apenas está preocupado com a insatisfação de professores e alunos. Mais do que isso, fundou a Computer Based Math, que é uma empresa voltada para a revisão do ensino da matemática. O programa piloto de seu projeto foi implantado em uma parceria com o Governo da Estônia. Tem como base um procedimento elementar: acabar com o excesso de horas dedicadas a aprender a calcular equações complexas, ou mesmo fazer contas em geral. O negócio é introduzir a computação nas salas de aula, deixando que as máquinas façam os cálculos. E dá um exemplo que é quase uma platitude, sobre condução de veículos: “não é preciso entender o funcionamento do motor para dirigir um carro”. Bem, Conrad, até que os carros, literalmente, prescindam dos motoristas e sejam conduzidos pela Inteligência Artificial.

Em algum momento, ao final da minha carreira como professor do Ensino Superior – estou aposentado -, cheguei a esboçar uma conclusão consoladora: não vou aprender nada novo de gente velha. Agora me vem esse moço – nasceu em 1970 – para comprovar isso. Tenho sido crítico ao avanço avassalador da Inteligência Artificial, que tem produzido alunos menos interessados em pesquisar, ler, guardar e relacionar informações. Fato inclusive que me fez tomar a decisão de não adiar mais o meu tempo como docente – já havia passado três anos do período. Mas também já disse por aqui que nenhuma geração se equivoca. Assim é que o homo sapiens deixou a caverna, a civilização evoluiu, a ciência alcançou o patamar em que hoje se encontra. Cada nova geração se supera corrigindo os próprios erros. E as soluções são tão claras como a observação de Conrad: “Não faz mais sentido que durante as aulas as crianças façam elas mesmas os cálculos de equações de segundo grau.”

Era o que eu pensava, lá no primeiro ano do Científico, diante daqueles esotéricos sinais cujo significado estava franqueado apenas a alguns iniciados. Para fazer avançar a formação de cientistas, pesquisadores, inventores, basta permitir que se use uma calculadora. Não sei dizer se isso é válido para as Humanidades e as artes, em que é preciso reflexão e imaginação – esta, por vezes, contrária ao raciocínio lógico -matemático: será que a inteligência artificial vai aprender a fazer isso? Já não duvido, mas vou esperar para ver onde restará o humano no fim das contas.

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