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O sentido de falar em Tiradentes no ano do Bicentenário da Independência – por Leonardo da Rocha Botega

Foi (só?) o advento da República que conduziu o alferes à condição de herói

O dia 21 de abril marca a rememoração da morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Após inúmeras supressões e restabelecimentos, a data foi instituída oficialmente como feriado nacional em 1965 através da Lei N. 4.897, que concedeu também ao próprio Tiradentes o título de Patrono da Nação Brasileira.

Desde 1946, a data também era conhecida como o Dia das Policias Civis e Militares e foi escolhida tomando por base também a morte de Tiradentes, o qual, conforme o Decreto-lei que instituiu a comemoração, “prestara à segurança pública, quer na esfera militar quer na vida civil, patrióticos serviços assinalados em documentos do tempo e de indubitável autenticidade”.

Essa é uma referência um tanto quanto curiosa, uma vez que foram justamente oficiais militares que traíram a conspiração que Tiradentes participava. Condenado como um traidor da Coroa Portuguesa foi o único dos “inconfidentes” a ser executado, os demais devido as suas melhores condições sociais e/ou por possuírem altas patentes militares receberam punições mais brandas.

Após sua morte permaneceu esquecido como um personagem relativamente obscuro ao longo de todo o Período Imperial. Os monarcas da Casa de Bragança (que se manteve no poder mesmo com a Independência) não tolerariam que o autor de um crime “lesa-majestade” contra um de seus antecessores fosse transformado em herói.

Foi o advento da República que conduziu Tiradentes à condição de herói nacional. Foi a ideologia positivista dos republicanos que, em sua ânsia pela heroicização da História, que produziu a narrativa e a imagem do mártir da Independência, mesmo a História demonstrando que a Independência de toda a colônia não estava na ordem do dia dos revoltosos de Vila Rica.

A fragmentação política e territorial da colônia não permitia uma unidade política entre elites localizadas que não pensavam a pátria para além das fronteiras de suas Capitânias.

Sem uma concepção unitária, os alvos eram sempre as questões locais que afetavam diretamente seus interesses, nesse caso a instituição da Derrama, um imposto português que visava garantir uma cota anual de arrecadação do quinto (imposto cobrado sobre a extração de ouro).

Tiradentes, portanto, foi parte de um projeto de construção de uma Identidade Nacional. Um projeto que os positivistas republicanos pensavam como sendo fundamental para o que consideravam ser o caminho para o progresso do país. Por trás da Ordem e do Progresso era necessária a constituição de um povo, com sua História, seus mitos e seus heróis.

Como a Independência foi marcada pela continuidade do príncipe regente da mesma dinastia que acabara de ser deposta, sua heroicidade deveria ser buscada em outro fato e em outro personagem. Tiradentes e a Conjuração Mineira serviam muito bem para isso. Poderiam ter buscado a Conjuração Baiana, porém, aquela foi uma revolta muito popular para os gostos elitistas dos construtores da República.

Em que pese o seu papel preponderante em um momento decisivo no processo que forjou o sentimento anticolonialista nas elites coloniais brasileiras, a figura do personagem histórico Tiradentes é fruto daquilo que chamamos de uso político do passado, ou seja, do uso de personagens e eventos históricos para fins exclusivamente de justificativa de ações políticas.

A História não é neutra. O passado é objeto de poder. Ter a hegemonia sobre como contar o passado é fundamental para construir narrativas sobre o presente.

Tiradentes já serviu tanto para a direita quanto para a esquerda. Por isso é uma figura icônica, cuja imagem a História, e principalmente a sua construção como personagem histórico deve ser discutida.

Em tempos de Bicentenário da Independência do Brasil, debater Tiradentes pode ser um caminho para o próprio entendimento do que somos e do que nos tornamos. Um entendimento tão necessário para que possamos passar a limpo, não apenas o nosso passado, mas as próprias ameaças sombrias que rondam o nosso presente.     

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A imagem de Tiradentes no cadafalso é uma reprodução obtida na internet. Mais exatamente da página Escola Educação, do portal R7: AQUI.

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Um Comentário

  1. Direto. Resumo da opera: grande maioria esta c@g@ndo para Tiradentes e Bicentenario. Obvio. E depois do vestibular (ou algo parecido) só o pessoal da historia. Nesta hora começam os chavões ‘as pessoas deveriam….’, ‘não deveria ser assim….’, ‘temos que…..’.

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