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Tempo – por Alice Elaine Teixeira de Oliveira

aliceO relógio berra na mesinha ao lado do travesseiro, vibrando e andando com suas duas patinhas metálicas tendo seus sinos superiores violentamente agredidos pelo martelinho do alarme, enquanto o sol nem pensou surgir no horizonte. A madrugada ainda é fria e úmida. Os animais diurnos ainda dormem recolhidos em seus abrigos; no entanto, o grande mocho saboreia seu prato de roedor.

Por fim, o despertador vai ao chão e continua sua jornada sacudindo o assoalho. O velho resmunga alguma coisa antes de inclinar-se e juntar o antigo companheiro. Cuidadosamente bate o pino, silenciando o insistente e durável contador de tempo e antes de recolocá-lo em seu lugar de trabalho contínuo, gira algumas vezes a borboleta e credita mais fôlego ao seu tic-tac incansável.

Respira fundo e estrala os ossos das costas. Acende a luz e resmunga algumas outras palavras, procura seus chinelos na beira da cama e, ao levantar-se, não sabe o que range mais, a estrutura da cama, o assoalho ou os seus ossos. Embora esteja avançado em dias, seus olhos nunca falharam ou enfraqueceram sua vista; o velho vê muito bem. Toma um banho morno e revigorante; depois segue para a cozinha.

Já sentado na varanda segurando sua xícara de café quente, ouve o galo cantar no galho da laranjeira, o velho sorri como se sentisse o sabor da vitória sobre o bicho que atrasou-se em acordar o dono, outra vez. O cachorro que dormia junto as ovelhas, no celeiro, vem chegando-se ao velho, com o balançar de ancas mais esquisito que ele já viu, ele sempre imagina que um dia este cão vai desmontar-se antes de chegar até sua mão.

Afaga o fiel amigo, depois o recompensa com uma rodela de salame. O desjejum do animal já está no prato ao lado da porta, mas, primeiro, o bicho precisa agradecer ao seu provedor, uma lição que o velho sempre cumpriu dando graças antes de suas refeições. Os minutos vão passando e o campo vai acordando ao seu próprio ritmo. Uma fresta de luz, as aves cantando, a criação começa a mugir e se achegar ‘pras casa’.

Antes mesmo do sol raiar as engrenagens daquele pedacinho de mundo já estão a todo vapor. Tudo ao seu tempo funciona e se encaixa. A fumaça sobe aos céus pela chaminé do fogão a lenha, as galinhas cacarejam, ciscam e pões seus ovos, o cão reúne as ovelhas e as leva para o pasto fresco da manhã. As vacas produzem seu leite gordo enquanto comem em seus coxos.

No solo, as sementes espreguiçam-se dentro do chão quente, seus brotos começam a surgir e a rasgar as membranas que os prendiam. Ao longe no horizonte, o velho nota uma barra de nuvens e comemora a chuva que irá chegar. Com um assovio longo o velho chama o cachorro. O cão entende que deve levar o rebanho de volta antes da tarde cair.

Da varanda, o velho pode ver o espetáculo do entardecer, ao lado de seu amigo canino ele observa o adormecer de seu rancho. Os sons vão escasseando, as luzes mudam e o tempo esfria um pouco. Aquela massa de nuvens de chuva que se aproxima produz uma bela linha de algodão contra o pôr de sol, refletido no espelho das águas do açude. A bicharada doméstica volta a procurar um lugar quente, seco e protegido para abrigarem-se da noite. O mocho pousa no palanque da mangueira.

Dá adeus ao cão, que vai recolher-se junto as suas protegidas quentinhas. Apaga as luzes da casa, deita em sua cama rangente, resmunga alguma coisa, confere a hora no despertador com seus ponteiros fluorescentes e fecha seus olhos. E assim o dia passa ao som do tic-tac do antigo relógio na cabeceira da cama do velho.

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