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OUTRO OLHAR. Para além das posições oficiais, um professor reflete sobre UFSM e o sindicalismo docente

O editor já esboçou uma análise, de resto nada fácil, sobre o que está acontecendo na UFSM, no que toca à relação entre o professorado e o seu sindicato de classe. Há um evidente (ou não?) DESCOLAMENTO  entre os sindicalistas e sua base. A ponto de, em menos de dois meses, uma posição da dita vanguarda ser rechaçada por maioria voraz, em assembleias.

Agora, vale a pena ler, inclusive para discordar, se for o caso (e este espaço está permanentemente aberto para o debate), o primoroso texto do professor Ronai Pires da Rocha. Veterano na UFSM, mantém um blogue (“COISAS DO CAMPO”) muito apreciado. E é lá que está, originalmente, o que você lerá a seguir, na íntegra, e que foi editado na noite de ontem.

Ronai (e o editor tem orgulho de ser amigo dele e com ele ter trabalhado lá nos primórdios) traz um pensamento que, pode apostar, longe está de ser único. Com um detalhe: o professor refere o fato de ter falado algo na assembleia docente da segunda-feira. Este editor, lamentavelmente, não leu nada disso no material oficial acerca do evento. Então, aí vai. E cada um tire a conclusão que quiser. A foto é de Luciele Oliveira, do arquivo da Coordenadoria de Comunicação Social da UFSM:

Ronai Rocha: “as primeiras paralisações que fizemos foram em 1979, se bem me lembro, até 1987, quando apenas ensaiávamos a democracia. Os anos noventa foram outra história. E eu acho que ela está mal lembrada, e está dando nesse quadro de falta de reconhecimento”
“As primeiras paralisações que fizemos foram em 1979, se bem me lembro, até 1987, quando apenas ensaiávamos a democracia. Os anos noventa foram outra história. E eu acho que ela está mal lembrada, e está dando nesse quadro de falta de reconhecimento”

A velhice é uma merda

Vim a ser professor na Ufesm faz uns quarenta anos, primeiro como horista e eventual e depois no quadro do Departamento de Filosofia. Em 1976 não havia concurso nos modelos atuais. As plenárias departamentais, na maioria das vezes, estudavam os currículos dos candidatos e decidiam quem contratar, a partir das vagas disponibilizadas. Os concursos vieram depois, e me submeti a um, quase que como formalidade.

Assim, posso dizer que me lembro muito bem de um tempo em que não havia carreira nenhuma, por assim dizer, pois nossos contratos eram de horistas, de no máximo doze horas por semana. Os mais bem aquinhoados, poucos, tinham contratos de vinte horas. E havia um pequeno olimpo, uma vintena de professores entre o total da universidade, com contratos de quarenta horas.

A dedicação exclusiva era ainda mais rara. Alguns centros de ensino, até o final dos anos setenta, não possuiam um único contrato de trabalho em quarenta horas e dedicação exclusiva. Eu me lembro, como se fosse hoje, de quando um dos meus professores, na Filosofia, abandonou o departamento e mudou para outro centro de ensino, pois lá estavam sendo distribuídos contratos de 40 horas e DE. Na Filosofia, nem pensar. Ninguém tinha contrato de trabalho superior a vinte horas, até 1974. Simples assim.

Foi na Filosofia que nasceu o movimento docente, pela iniciativa de meu colega, Noli Brum de Lima, fundador da APUSM. A Apusm foi fundada como associação e não como sindicato pois era simplesmente impossivel na época criar um sindicato na universidade. E foi como Apusm, como associação de professores, que fizemos sindicalismo até 1989, quando foi fundada a Sedufsm. Assim, quem ajudou a criar a Andes foram professores em torno da Apusm. E eu sei essas coisas porque eu estava na reunião de criação da Andes, em Campinas, representando a Apusm.

Hoje foi dito, duas vezes, que as greves são importantes, e foram elas que conquistaram grandes feitos, entre eles o RJU, Regime Jurídico Único.

Certo. Concordo com as duas coisas. Greves são importantíssimas. E por isso mesmo não podem ser banalizadas, sendo repetidas a cada dois anos. E foi por meio delas que conquistamos coisas como o RJU. O que não é dito, o que é silenciado, é que as greves que fazíamos e que desembocaram na conquista do RJU eram greves específicas de professores de universidades federais. E, especificamente, a conquista do RJU foi o resultado de um longo processo de greves e protestos específicos dos professores das universidades federais que se aproveitaram de uma grande fraqueza dos governos militares da época: a existência de um sistema universitário federal dualista, de autarquias e de fundações.

Os professores das fundações ganhavam mais do que nós para fazer a mesma coisa. Essa bandeira era um abraço, fácil de dar e defender. Assim, em uma série de greves e protestos, ao longo de muitos anos, provocamos a fusão do sistema, criando, no final, o RJU, em um período que vai do fim do regime militar – as primeiras paralisações que fizemos foram em 1979, se bem me lembro, até 1987, quando apenas ensaiávamos a democracia.

Os anos noventa foram outra história. E eu acho que ela está mal lembrada, e está dando nesse quadro de falta de reconhecimento.

Antes de arriscar uma hipótese, devo lembrar que a cronologia de nossas greves não coincidia, nos anos oitenta, com a cronologia da greve dos técnicos da UFSM. Eles levaram mais tempo para colocar greves nas ruas e elas eram independentes das nossas. Havia um sentimento que a força da greve de cada categoria dependia da especificidade do que era reivindicado.

Não vou conseguir desenvolver aqui minha hipótese para nossos extravios. Apenas faço um gesto. Nos anos noventa começaram as “greves de bojo” que deram no que temos hoje: pautas com oitenta itens, e solidariedades extremadas entre todo tipo de sindicato. Aos poucos, deixaram de existir greves de professores de universidades federais. A especificidade do movimento docente foi aos poucos dissolvida numa pauta de dezenas de itens, no mais das vezes totalmente genéricos, no bojo das greves do funcionalismo federal, no mínimo.

Um exemplo menor disso é o fato que os servidores da Ufesm tem, na sua pauta de reivindicações, a luta por conselhos paritários e meu sindicato concordou com isso sem me perguntar. Meu sindicato não só concorda com isso, mas quer fazer uma greve junto com quem tem isso na pauta, sem que isso esteja na nossa pauta. Só pode dar estranhamento, não?

Falta muita conversa para passar a limpo, eu acho. Mas bem que a Assembleia de hoje proporcionou umas conversas interessantes. E uns protestos bem humorados, como o do Juca.

As greves são importantíssimas, mas foram banalizadas por nós, especialmente quando deixaram de ser específicas e começaram a flertar com a reforma completa do vasto mundo. Eu, que não me chamo Raimundo, acho que isso não é solução para nossos encalacramentos.

Eu pedi a palavra, no final da assembléia, e propus que a gente fizesse algum tipo de debate de autocrítica, antes de querer mobilizar e criticar os outros. Tive a ligeira impressão de que não me deram muita bola.

A velhice é uma merda, as vezes.”

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

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Um Comentário

  1. Sindicatos deixaram de defender somente os interesses profissionais e atuam cada vez mais como ferramenta política para defesa de interesses outros.
    Cabe ver as reinvidicações: revogação da lei 9192 (regula o processo de escolha dos dirigentes universitários), revogação do artigo da LDB que obriga 70% de docentes nos conselhos.
    "Garantia de estatuto jurídico público para as IFE e seus órgãos complementares, preferencialmente como autarquias de regime especial, assegurando a responsabilidade do Estado e a autonomia universitária constitucional": ou seja, mandem a grana e a gente decide o que faz.
    "Garantia de um sistema de avaliação institucio
    nal das IFE de caráter autônomo e democrático, tendo como referência o projeto político acadêmico de cada instituição, resguardando-se o integral financiamento público do sistema": ou seja, nós nos avaliamos, não esqueçam de mandar a grana!
    "Autonomia de nomeação, pelas IFE, de seus procuradores jurídicos, com garantia de atuação igualmente autônoma, sem subordinação administrativa à AGU": nós escolhemos nossos advogados!
    "Autonomia das universidades no que diz respeito aos instrumentos centralizados de gestão administrativa e financeira do governo": autonomia no sentido de soberania!
    ""Assegurar o direito à livre manifestação política nos campi": sem esta de chamar polícia para acabar com invasões!
    "Reversão da crescente criminalização do direito de divergir, bem como combate à perseguição àqueles que lutam em defesa da universidade pública": leis são da porta para fora.
    Lista não acaba. A política partidária já acabou com os sindicatos, o próximo passo são as universidades.

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