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O Crucifixo – por Rogério Koff

Lembro como se fosse ontem. Quando foi Diretor Interino do Centro de Ciências Sociais e Humanas, durante o processo que resultou em minha primeira eleição para o cargo, o professor Ronái Pires da Rocha entrou no Auditório da Antiga Reitoria, olhou para o crucifixo pregado na parede, logo atrás da bancada central, subiu os três degraus contornando as cadeiras, e finalmente o retirou. Sempre quis fazer isto, disse, com expressão de dever cumprido. O símbolo foi colocado em uma gaveta na sala da Direção. Meses depois, quando eu já havia assumido o cargo, um funcionário inadvertidamente encontrou o crucifixo e entendeu que ele deveria ser recolocado na parede do auditório do CCSH. Mandei retirá-lo outra vez. No lugar do símbolo religioso, hoje está uma tela de projeção.

O leitor mais apressado julgará que sou contra a Igreja Católica, tendo em vista que o crucifixo é desta a imagem mais poderosa. Nada disso. A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que nosso país é um Estado Laico. Quer dizer que não há culto oficialmente reconhecido, embora alguém possa argumentar que a maioria da população é católica, o que por si já é controverso. A utilização de símbolos religiosos em colégios, universidades ou repartições públicas é, portanto, contraditória com a defesa da pluralidade expressa em nossa Carta Magna.

Há mesmo quem defenda a inconstitucionalidade dos feriados religiosos. Recentemente, um deputado federal tentou instituir o feriado de Frei Galvão, sob alegação de garantir que a população pudesse acompanhar seu processo de canonização pela Igreja. Nada mais absurdo. Por esta lógica, teremos que parar no dia do Yom Kipur, celebrar o dia do Orixá e assim por diante. Não haverá mais dia útil no Brasil, tendo em vista a quantidade e profusão de crenças em um país multicultural. Ficaríamos, então, apenas com feriados cívicos? Por que não? Mas e o Natal e a Páscoa? Ora, para quem ainda não se deu por conta, estes definitivamente não são mais feriados com qualquer significado religioso. São festas de consumo com as quais cristão, protestante ou ateu nenhum vai conseguir mexer.

Pode parecer inoportuno tratar deste tema justamente dois dias após a grande festa da Romaria em nossa cidade. Mas entendo que, enquanto defensores da liberdade de expressão e de crença religiosa, devemos avançar nesta discussão. Na semana passada, a Corte Européia de Direitos Humanos deu ganho de causa a uma ação contra a presença do crucifixo em escolas públicas da Itália. Os juízes levaram em conta que a utilização da imagem viola a liberdade religiosa e significa imposição de culto.

Voltando ao auditório do CCSH, lembro que já houve Diretor que, ao ser questionado sobre a imagem católica pendurada na parede, “argumentou” que o símbolo deveria ficar lá porque ele próprio era católico. Uma (não tão rara) confusão entre os domínios do público e do privado. De minha parte, reconduzido por eleição direta por mais quatro anos, garanto ao leitor que o mesmo não encontrará nenhuma imagem, seja de que religião for, em espaços administrativos de nossa Unidade. Nada contra os católicos, mas por respeito a todos os demais.

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2 Comentários

  1. Caro Rogério, obrigado pela tematização deste assunto, que nestes dias ficou ainda mais atual com as polêmicas sobre o mesmo tema na Europa. E de fato, fi-lo, como contas, com testemunha. Grande abraço.

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