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Como amar um perdedor – por Bianca Zasso

Quem frequenta livrarias ou já passou os olhos pelas listas de livros mais vendidos sabe que as publicações de autoajuda rendem lucros e comentários calorosos. O que explica esse fenômeno? O que faz alguém procurar nas páginas de um livro a solução para os seus problemas? É difícil explicar, mas uma coisa é certa: vivemos tempos indecisos, onde todos querem alcançar o sucesso e, mais do que isso, querem ensinar quem está no início da estrada a trilhar o melhor caminho.

Mas a pergunta que fica é, afinal, não podemos decidir sozinhos e aprender com nossos erros, ao invés de buscar inspiração nos “vencedores”? Todo esse papo mais literário que cinéfilo, inspirado em uma conversa descontraída de bar com amigos, me fez lembrar um dos mais motivadores personagens do cinema.

Na década de 70, Hollywood viveu seu período mais pessimista. A geração hippie e esperançosa dos anos 60 agora estava criando os filhos e procurando espaço no mercado de trabalho. O sonho acabou, como bem disseram os Beatles. Por mais que a animada música das discotecas proclamasse o contrário, os anos 70 não foram nada animadores e o cinema sentiu os efeitos desse clima desconcertante ainda nos final da década de 60, com o clássico do diretor Roman Polanski O bebê de Rosemary, lançado em 1968, mas que tem a cara da década que viria a seguir.

Mas uma das maiores provas do pessimismo setentista pode ser encontrada no grande vencedor do Oscar de 1976. Rocky, Um lutador, além da estatueta de melhor filme, levou para casa também os prêmios de melhor diretor, para John G. Avildsen, e melhor edição. Por mais que os cartazes de divulgação digam o contrário, Rocky, Um lutador não é uma lição de vida comum. O boxeador criado e interpretado por Sylvester Stallone não é chegado em regras, não leva jeito quando o assunto é sedução e, no ringue, não é nenhuma revelação.

Perdedor poderia ser um adjetivo para defini-lo. Mas o uso da palavra lutador no título do filme não é à toa. Rocky luta mais do que qualquer outro personagem dentro da trama. Mais do que encarar o campeão Apollo Creed, o garanhão italiano luta contra o medo, a falta de preparo e, antes de tudo, contra si mesmo.

Para além do pessimismo simbólico, Rocky, Um lutador é um filme bem construído, com um roteiro simples e nada pretensioso, o que torna a história ainda mais cativante. Rocky é um cara comum, tem contas para pagar, pendengas para resolver, sorte em um dia e azar no outro. O comum é o ingrediente que encanta. A cena onde Rocky sobe correndo os 72 degraus que levam até a entrada do Museu de Arte da Filadélfia é conhecida até por quem nunca viu o filme e gera imitações e homenagens até hoje.

Mas a grandeza da cena não está na bela fotografia ou no significado que chegar até ali tem na vida no personagem. A emoção é provocada porque nós sabemos quem é Rocky e onde foi a largada dessa corrida. O cara simples, bruto, porém carinhoso, usando um par de All Star e um surrado moletom conseguiu o que queria: a motivação para encarar o adversário que, ele sabe, está muito mais bem preparado do que ele. Tente não ir às lágrimas com uma história dessas.

Rocky, Um lutador foi o início de uma das mais lucrativas e amadas séries de filmes já feitas (seguido por Rocky II – A revanche, Rocky III – O desafio supremo, Rocky IV, Rocky V e Rocky Balboa) e marcou a carreira do eterno valentão Sylvester Stallone, provando que os brutos não só amam como também escrevem bons roteiros.  Contar o desfecho da luta entre Rocky e Apollo Creed seria estragar o prazer dos espectadores que ainda não tiveram a oportunidade de assistir ao filme. Mas aquela onda desesperançosa que pairava sobre os Estados Unidos naqueles tão comentados anos 70 dá uma ideia do que o espectador pode esperar. Nosso herói é comum. Sua história também. A célebre frase de Rocky resume bem a situação:

“Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar.”

Quem precisa de livros de auto-ajuda com filmes assim?

Rocky, Um lutador

Ano: 1976

Direção: John G. Avildsen

Disponível em DVD

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