Artigos

Uma canção para Luke e Léia – por Márcio Grings

24 de dezembro de 1979. Um dia depois do Inter ter sido Tri-Campeão invicto do Campeonato Brasileiro de futebol, – essa foi la ultima vez em que a viu. Léia acenou timidamente pelo espelho retrovisor, pois sabia que Luke estaria esperando aquele simbólico adeus. A garota segurava a bolsa com a mão esquerda, enquanto buscava os óculos escuros com os dedos da outra mão. Não viu nenhuma lágrima no rosto dela, mas um pouco antes de virar a esquina, ele pôde ver o reflexo do sol da manhã batendo na lente do Ray-Ban. E a projeção desse raio laser fictício atingiu ruidosamente a lataria do seu Fusca 76. Um impacto surdo e iluminado, triste como o prenúncio de um apagar das luzes digno de figurar na Sessão de Gala. Só que nesse filme, Luke Skywalker e a princesa Leia não eram irmãos, mas sim amantes.

As luzes de Natal e a figura do Papai Noel tomam conta de toda a cidade. O Velho barbudo só desapareceu da sua frente quando pegou a BR-287. Ao se lembrar desse dia, surge na memória às imagens das sombras dos pinheiros que costeiam a rodovia até hoje, empréstimo de uma melancolia silenciosa, profunda e úmida. Luke imaginou Léia abrindo o portão rapidamente para que o cãozinho não escapasse para as ruas. Ele sempre fugia. Lembrou que não havia esquecido nada naquela casa, dessa forma, não teria nenhuma desculpa para retornar. Quase deixou o relógio de pulso no bidê ao lado da cama dela. Mas não deixou. Há uma diferença tremenda entre pensar e não fazer. Nessa droga de vida não existe se (…). Ou é, ou não é. Na verdade, nesse caso, não iria adiantar nada mesmo. Os correios eram eficientes e Léia sabia de cor o seu endereço. Plano furado e não executado.

Em pouco mais de duas horas Luke estaria novamente na oficina consertando motores. Se acertar o ponto da vida e colocar as coisas no ritmo certo fosse tão simples como ajustar um carburador, tudo seria muito mais fácil. Mas não é. Pelo contrário, parece que no andar da carruagem o traquejo sempre piora.

Imaginou Léia lavando os cabelos durante o banho matutino. Ela tomava três banhos por dia. Luke se lembrou daquela vez que uma aranha enorme atravessou a báscula, vinda do jardim, e pulou pra dentro do Box. Ela gritou como se um serial killer tivesse invadido seu espaço com uma faca rasgando o pescoço de uma vítima. Como um super-herói, ele voou direto da sala e entrou banheiro adentro. Os azulejos ficaram molhados e ele prontamente retirou o bicho de lá.

Nunca vai esquecer da expressão de terror no rosto dela. Luke riu e fez piada. Léia fechou a janela, voltou para banho e, assim, pôde enxaguar os cabelos tranquilamente.

Enquanto os pneus do carro lambiam o asfalto, a cada quilômetro adiante, o pé ficava mais leve e o acelerador mal se mexia. Todos os automóveis cruzavam como flechas incendiárias pelo fusquinha amarelo. Abriu o porta-luvas e buscou um cassete do Supertramp. Quando a fita foi engolida pelo equipamento, – não sem antes dar aquela engasgadinha clássica e mastigar o inicio do piano de “From now on”, mesmo assim, ele ouviu o recado:

“Monday has come around again / I’m in the same old place”.

É, meu caro! O velho Rick Davies sabe das coisas. É bem assim mesmo. Agradeça ao homem pelo bofete na cara. Resolveu parar num boteco de beira de estrada e levar uma cuca para o lanche da tarde. Deixou a porta do carro entreaberta pra poder continuar ouvindo o som do Tramp.

Enquanto desembolsava o dinheiro da carteira, Luke se lembrou da bucha que foi o terceiro gol do Falcão: “Pelo menos o Colorado é o melhor time dessa droga de país”, disse ao homem atrás do balcão, ao mesmo tempo em que leu a manchete de capa do Correio do Povo.

“Verdade. Alguns têm sorte no jogo”, respondeu o bolicheiro vestindo uma camiseta do Grêmio. Ele quase esboçou um sorriso. Saiu de lá salivando com sua cuca de alemão debaixo do braço. Nada como um cuca após a outra. Olhou para o retrovisor e viu Léia surgir como uma miragem. Rapidamente virou o pescoço e contemplou o vazio. Imaginação desgraçada.

10 da manhã. De novo ele se deu conta que é véspera de Natal. O Papai Noel sempre exercendo sua vilania das maneiras mais sórdidas. Entre bicho e gente, fica com os bichos. Por isso a preferência pelo coelhinho da Páscoa.

 

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo