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A verdade na sala de estar – por Bianca Zasso

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A nossa casa deveria ser um lugar de liberdade e conforto, onde podemos deitar sem medo no sofá e percorrer os cômodos com leveza. Afinal, é onde gostaríamos de estar a cada pôr-do-sol. Só que em alguns lares, até bem próximos, a paz tão desejada é uma espécie de tapete que esconde um furacão que, para não alertar os vizinhos, deve ser mantido em cativeiro.

No cinema, Roman Polanski é um dos diretores mais encantados com esses lugares. Os personagens que conduz costumam ter como companheiros de condomínio seus medos e segredos. Na chamada Trilogia do Apartamento (formada pelos filmes O inquilino, O bebê de Rosemary e Repulsa ao sexo), o diretor apresenta protagonistas que não conseguem nem se esconder embaixo da cama, já que o horror está entre as quatro paredes que eles chamam de suas. Em 2011, Polanski voltou a se enfurnar em casa. E o clima pesou.

Deus da Carnificina é inspirado numa peça teatral da francesa de origem iraniana Yasmina Reza e é ambientada em um único cenário, o apartamento de um casal que teve o filho machucado por um colega. Os pais do agressor são convidados para uma espécie de reunião para avaliar o ato de suas crianças. De início, reina a civilidade. Conversas de tema banal, pedidos de desculpas mútuos e cumprimentos cordiais. Até que a conversa entre pais torna-se uma luta. O ambiente limpo, decorado com parcimônia e cores neutras está intacto. Seus habitantes é que fizeram dele um ringue.

A briga entre dois garotos é pouco lembrada. Mas descobrimos que, mesmo com dentes quebrados e fama de mau, os dois pequenos não fizeram nada de grave. Uniões falidas, prioridades erradas e a busca por um tipo de família inatingível aparecem e transformam adultos em adolescentes no auge da crise. Um clima sufocante se instaura e é preciso colocar as verdades para fora. Literalmente, no caso da personagem de Kate Winslet. Seu vômito é simbólico. Não foi causado pelo bolo, mas pelos anfitriões do dia.

O naturalismo das atuações impera, mas Deus da Carnificina não pretende ser um teatro filmado. Sua montagem segue preceitos bem cinematográficos e a opção por não dilatar o tempo colabora para a apreensão do espectador. Mesmo que a base dos personagens seja muito humana, a atmosfera é surreal. O apartamento passa a integrar o elenco, demonstrando ter uma espécie de imã que não permite que quem está dentro dele saia e volte ao seu prumo.

A já citada Kate Winslet e seus companheiros Jodie Foster, John C. Reilly e Christopher Waltz demonstram uma estafa física, como se fosse preciso fazer força para tentar deixar o local. A lavagem de roupa suja causa as mais diversas reações, algumas até exageradas. Será que de tão guardadas, certas mágoas irrompem com mais força? Não queira respostas. Yasmina Reza, que assina o roteiro junto com Polanski, quer é nos encher de perguntas. No fundo, os dedos dos atores estão apontando para a nossa cara.

Deus na carnificina não é diversão familiar, mas pode ser visto em família. Das duas, uma: ou arma-se a briga do século ou então surge uma conversa franca entre todos os membros do clã. Uma boa balançada nos ânimos pode ser bem-vinda. As festas de final de ano estão aí; só a publicidade acredita em noite feliz. A melancolia após o término do filme não pode ser encarada como uma hora e meia de perda de tempo. Em tempos onde todo mundo quer postar felicidade, é um meio de repensar o que estamos fazendo com nossas vidas. Cinema, de verdade, tem que causar estrago.

Deus da carnificina (Carnage)

Ano: 2011

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