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Pinos e paradigmas – por Orlando Fonseca

Na véspera do Natal, procurei uma ferragem para comprar um T – dispositivo para ligar mais de um equipamento à tomada – mas era preciso que tivesse dois pinos. Desde 2011, como se sabe, foi implantado no Brasil um modelo que gerou a maior polêmica, incluindo uma desnecessária politização do tal pino. Em 2013 passou a ser obrigatório.

Acontece que, cinco anos depois, ainda há equipamentos que não dispõem do tal furo, assimétrico e central, exigindo adaptadores ou soluções emergenciais. Depois de examinar os expositores, fiz o pedido ao atendente, o qual me disse que não havia um com dois pinos, mas era só sacar o do meio.

Para meu espanto, ele pegou um alicate e tirou fora. Simples assim. Pois agora leio nos jornais que o governo que assume esta semana, pensa que atitudes como a do vendedor da ferragem representa “quebra de paradigma”. Inclusive, anuncia que a normatização do tal terceiro pino será revista.

Não foi Charles de Gaulle quem disse, nem o Tom Jobim, mas sei que alguém com certa relevância internacional já sentenciou que somos o “País da gambiarra”. Não é difícil testemunhar isso, desde os gatos – extensões informais – de eletricidade e TV a cabo, até as ajeitadas que parlamentares, Ministros do Supremo e Governo Federal fazem na legislação.

O general francês teria afirmado que não formamos um país sério. E desde o último ano essa convicção vai se alastrando mundo afora. Nosso modo carnavalizado de interpretar a conjuntura e conduzir a gestão da coisa pública precisa de muita malandragem.

Ou seja, como diria o autor de Garota de Ipanema, “este não é um país para amadores”. Por isso o estranhamento geral com a adoção de um padrão para as tomadas e os plugues. A simbologia de sua adoção definitiva é que ganhou contornos desnecessários na indignação da galera.

Vários países já adotam modelos diversos de tomadas de três pinos. Em uma convenção da International Eletrotechnical Comission, em Genebra no ano de 1986, estabeleceu-se o tal modelo polêmico como padrão. Não decolou, apesar da assinatura dos 85 países; apenas dois, Suíça e África do Sul, adotaram, além do Brasil.

Então, por aqui, em 1994, a ABNT publicou a norma técnica NBR 14136 — que define a nova tomada – e o INMETRO, em 2000, decidiu implantar, através de uma portaria, estabelecendo o prazo para as devidas adaptações. Este se completaria em pleno mandato da presidenta Dilma Rousseff, que pagou o pato, como se fosse coisa da cabeça dela. Por isso, e não por razões de ordem técnica, se anuncia agora a revisão daquela normativa padronizadora. Dizem os membros do governo que é preciso “quebrar paradigmas”.

Quebra de paradigma foi um conceito banalizado na campanha e logo após a vitória no segundo turno das eleições presidenciais. Foi quase um bordão o tal clichê, orientação que vai da equipe econômica aos grupos mais próximos dos militares.

No século XX, a busca da terceira via como um modelo que rompesse a tensão entre socialismo e capitalismo levou à construção de regimes políticos alternativos. Em terras tupiniquins, o “paradigma” do terceiro pino torna-se mais importante para satisfazer a classe média, mediana e imediatista, em sua forma de interpretar a conjuntura. Ou sintetiza a falta de bagagem cultural para se pensar com mais profundidade a busca pelas soluções dos problemas estruturais deste país.

Uma coisa é certa, assim como a confusão se instalou a partir da adoção do tal terceiro pino, a sua revisão agora vai gerar o mesmo tumulto. Como aliás, uma série de políticas de ocasião que se anunciam. Não se quebram paradigmas com alicate. No fim, vem mais gambiarra por aí. Feliz ano novo (mas desconfie das novidades)!

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