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Sequelas na escola – por Orlando Fonseca

“Para enfrentar todos os males, lembremos do remédio: democracia”

Em conversas com amigos, seguidamente, ouço a justificativa “é a Covid”, diante do esquecimento de um nome, data ou fato. Das sequelas havidas com a pandemia e que ainda persistem, esta talvez seja a menos grave, ainda que ostensiva, pois não se trata de um caso isolado.

Dois anos depois dos meses terríveis da peste que assolou o Planeta – algo que só tínhamos visto nos livros – é difícil de imaginar o que vivemos. Trancados em casa, víamos crescer o temor das notícias do país e do mundo, com as piores, pela morte de conhecidos, de entes queridos.

Em face da estupidez do número de óbitos, parece que as sequelas que atingem a população, de modo geral, não podem ser piores. No entanto, tem sido divulgado e analisado um dado preocupante sobre a população estudantil: “O número de crianças de seis e sete anos no Brasil que não sabem ler e escrever cresceu 66,3% de 2019 para 2021 – um dos efeitos da pandemia de Covid-19 no ensino brasileiro.”

Por considerar previsível, entendo que se tratava de algo que poderia ter sido minimizado, mitigado, com um forte programa de recuperação. Mas o que esperar de um governo que, sequer, providenciou vacinas em tempo hábil?

Assim como a falta de medicamentos levou à morte milhares de brasileiros, a omissão do Ministério da Educação, o qual não tomou providências para preparar um projeto de nivelamento, pós-pandemia, milhões de crianças estão com os seus estudos defasados. E isso não compromete a memória por um tempo, mas o futuro de toda uma geração pelas próximas décadas.

Seria de esperar, pois o que tivemos no MEC foi uma equipe mal preparada, quando não mal-intencionada, como vimos em notícias que espantaram o país. Afora o negacionismo, que acometeu quase todos os gabinetes daquele (des)governo, ainda foram noticiados desvios de verbas, falta de planejamento para a educação, equívocos sobre inúmeros setores, comprometendo o ensino básico e até mesmo a pesquisa de ponta – por falta de recursos. E não faltaram avisos de especialistas, naqueles terríveis anos.   

Não era de se esperar que os gestores públicos estivessem preparados para uma pandemia avassaladora como a que vivemos de 2020 a 2022. Somente em maio passado é que a OMS declarou o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional referente à COVID-19.

Entretanto, assim como aconteceu com o esforço internacional em busca de vacinas, envolvendo governos, institutos de pesquisa, universidades, ao redor do Planeta, muitas organizações criaram programas emergenciais como solução de continuidade na educação. Isso envolveu a adoção de modelos de ensino remoto, que se transformou em formas híbridas, com aulas presenciais, bem como programas assistenciais e atividades de recuperação.

Muitos especialistas apontaram ao governo federal a necessidade de organizar um forte programa para o fim da pandemia, a fim de recuperar os alunos do ensino básico, em especial aqueles em fase de alfabetização e letramento. Como nada foi feito, os dados estão aí, à disposição de todos, para ver o desastre que é um governo composto por incompetentes e negacionistas. 

Temos um país de poucos leitores, historicamente, e os dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, da Câmara Brasileira do Livro/IBOPE, estão aí à disposição para se confirmar isso. Mas nada justifica incrementarmos ainda mais estes números por descuidar da educação infantil, quando se formam o gosto pela leitura e a capacidade de interpretação.

Para se projetar um país desenvolvido e uma nação forte, os alicerces a serem lançados implicam investimentos massivos na formação inicial. Já temos perdido décadas de projetos para crianças e jovens, no chamado “bônus demográfico”, em que jovens adultos são em maior número na população.

O Brasil precisa acordar para uma educação de qualidade, universal e preparada para dar conta tanto das mazelas, quanto das mudanças trazidas pelas novas tecnologias. Para que não se repitam desastres como os que vimos com a Covid, para que não se esqueça jamais, é preciso consciência cidadã. Para enfrentar todos os males, lembremos do remédio: democracia.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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7 Comentários

  1. O que leva a outro assunto. Não se pode criticar o SUS, apesar dos problemas. Não se pode criticar a UFSM. Temos que nos concentrar só em ‘noticias boas’. É considerado um ‘ataque de quem quer acabar com ….’. Vermelhices. Com isto os problemas seguem sem solução. E saem as barbaridades. ‘Fui no SUS, fui bem atendido, melhor que o particular’. Problema é que a ‘experiencia’ exclui 99,999999% do sistema. Cavalgadura acha que é exemplo. Nem se fala das criaturas causidicas comunistas burguesas que saem da terrinha e vão para São Paulo. Pegam o bonde andando e não querem ir na janela, querem o lugar do motorneiro.

  2. O que leva a outra lorota circulando na urb. ‘transporte publico e gratuito na Europa’, algo do genero. Existem cidades que implementaram a gratuidade, é fato. Porém o trato era ‘transporte publico gratuito, abondonem o transporte individual, o carro particular’. Não funcionou. Muito pouca gente abandonou o transporte particular.

  3. ‘forte programa de recuperação’, ‘ projeto de nivelamento’. Quando alguém começa com este tipo de conversa logo se ve que é um burocrata, esfregador de barriga na mesa, amante do ar condicionado. Com a velocidade do serviço publico se fosse pedido um ‘plano’ terminaria o mandato do então governo. Recuperação esta sendo feita da mesma maneira, em muitos lugares, que é feita depois das muitas greves. Simples assim. Alas, outra mentira que rolou por ai, Uruguai não ‘tem vagas no ensino superior para todos’. Tanto que muitos vem estudar no Brasil. Alas, noticia de 2019, de cada 10 estudantes uruguaios no ensino medio 6 não terminam aquela etapa. Uruguai quase não tinha pesquisa também.

  4. No que cabe um ‘em tempo’. Ardipithecus ramidus é o ancestral do ser humano que viveu 4 milhões de anos atrás. Era onivoro. Os caninos superiores dos machos eram algo como 12% maiores do que o das femeas (não eram inexistentes como andaram mentindo por ai). Existe a hipotese que seriam menos agressivos. Não eram ‘colaborativos’ e ‘não competitivos’. Pura e simplesmente que depois deste tempo todo não sobra muita coisa para ser possivel deduzir comportamentos sociais complexos. Vermelhos comumente não tem compromisso com os fatos, se os mesmos contradizem a ideologia ‘muda-se os fatos’.

  5. Hummm…. Diria que ficar repisando os mesmos temas do passado é falta de assunto, falta de argumento ou pura preguiça mental. Melhor é focar no que se aproveita. Até porque para quem não está interessado no aproveitamento politico da pandemia é assunto do passado.

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